“Era uma criança ativa e, do nada, não tinha força para abrir o olho”, diz mãe que afirma que bebê morreu depois de ter engolido lagarta em Guarapari
O bebê de sete meses que, segundo a mãe, morreu depois de passar mal por ter engolido uma lagarta, sempre foi uma criança ativa, de acordo com a família.
Enrico Gotardo Ferreira morreu na última sexta-feira (19), no Hospital Infantil de Vila Velha, na Grande Vitória.
A criança morava com a família em Guarapari, também na região metropolitana. A dona de casa Natalia Gotardo, de 23 anos, mãe de Enrico, contou que, dias antes do menino passar mal, ele se comportava bem e não apresentava sinais de doença.
“Há duas semanas, antes disso acontecer, meu filho estava bem. Ele estava brincando, engatinhando, ele estava comendo. Tem vídeos dele dando berros aqui dentro de casa. Meu filho sempre foi prematuro. Com três meses, ele já tinha dentinho. Com quatro meses, já estava aprendendo a engatinhar. Já ficava em pé, se balançando nas coisas, no portãozinho que tem aqui na porta de casa. Ficava aqui no berço, pulando. Meu filho sempre foi uma criança ativa, do nada não tinha forças para abrir o olho”, disse a mãe do bebê.
Natalia relatou ainda que, após identificar a lagarta no vômito da criança, o seu comportamento mudou.
“Meu filho só ficava dormindo, só queria colo. Eu colocava no berço e ele não ficava. Eu falava “Rico, manda beijo”, e ele não tinha força pra abrir o olho. Eu disse ‘ele não está bem’. Hoje só fica a saudade, porque você chega em casa, vê as coisas dele e ele não está aqui mais. É muito difícil”, acrescentou a mãe.
Natalia acredita que a causa da morte do filho foi intoxicação, após ele ter engolido e vomitado uma lagarta. No dia 11 de agosto, ao limpar o vômito da criança, os pais perceberam a presença do inseto.
“Quando fui limpar o vômito, eu vi um bichinho preto, que achei até que fosse um pedaço de carne. Na hora que peguei mais de perto, vi que era uma lagarta. Aí meu esposo colocou numa sacola e fomos para o Hospital Materno Infantil Francisco de Assis, o Hifa”, disse a mãe.
A Polícia Civil investiga a morte como suspeita e aguarda resultados dos exames feitos no bebê. De acordo com a Secretaria de Saúde do Espírito Santo (Sesa), o animal não era peçonhento (leia íntegras das notas abaixo).
Médica recusou caso por sentir nojo, diz mãe
Segundo Natalia, ao chegar no Hospital Materno Infantil Francisco de Assis (Hifa) ainda no dia 11 de agosto e passar pela triagem, a primeira médica que estava de plantão não quis pegar o caso por sentir nojo.
“Eu sentei em frente a um corredor, que tinha dois consultórios em frente. Aí a enfermeira da triagem passou o caso para uma médica, dizendo ‘doutora, tem um caso em que o menino vomitou uma lagarta e está passando mal’ e ela respondeu ‘ai que nojo, não quero esse caso, não”.
A mãe contou que a enfermeira passou o atendimento para um segundo médico, que examinou a criança.
Nesse primeiro atendimento, o hospital entrou em contato com o Centro de Informação e Assistência Toxicológica do Espírito Santo (CIATox). Enrico foi medicado com soro, remédio para controlar os vômitos e ficou em observação, de acordo com a mãe.
Na manhã do dia seguinte, 12 de agosto, o médico que atendeu disse que daria alta para Enrico, mas depois que o bebê fizesse um raio-x. Natália disse que esperou cerca de três horas pela chegada do profissional responsável pela operação da máquina e só depois desse tempo o exame foi feito.
Ainda segundo a mãe, uma segunda médica do plantão examinou e liberou Enrico dizendo que ele não tinha nada.
Mãe levou filho ao hospital três vezes
Natalia contou que o filho continuou vomitando e teve febre alta e ela voltou na noite do mesmo dia ao hospital. Segundo ela, o médico que a atendeu disse que já sabia do caso.
“Meu filho foi atendido por um terceiro médico, que disse que todo mundo já conhecia o caso, já tinham visto foto da lagarta”, disse.
Natalia explicou que o filho tomou soro e fez alguns exames: sangue, urina e outro raio-x.
No dia seguinte (13), Enrico foi liberado do hospital com medicação para controlar a diarreia e paracetamol para dor e febre. A receita também tinha soro para hidratar, remédio para o vômito e antibiótico.
A mãe disse que o antibiótico foi receitado porque em um dos exames de sangue do bebê foi identificada uma alteração nas plaquetas, o que seria um sinal de infecção. Ainda segundo ela, os médicos não conseguiram dizer de onde estava vindo a infecção.
No domingo (14), a criança não apresentou melhora e Natalia levou o filho ao hospital pela quarta vez.
Uma outra médica viu os exames do menino e disse que Enrico não tinha nada.
Mãe de Enrico Gotardo Ferreira levou o bebê quatro vezes do Hospital Materno Infantil Francisco de Assis, em Guarapari, antes dele falecer. — Foto: Arquivo pessoal
“Ela disse que a alteração no exame de sangue era por conta do soro, que alterou as plaquetas. Mas que, como foi outra médica que passou, se eu quisesse continuar dando, eu poderia”, disse Natalia.
Pequena melhora
A mãe contou que Enrico continuava passando mal na segunda-feira (14), mas que ele acordou melhor no dia seguinte, terça-feira (15).
“Ele não tinha melhorado… continuava amuado, com o olhar caidinho. Mas ele mandava beijo, ficava mais tempo acordado, conseguia tomar a mamadeira, comer uma banana. Antes ele não fazia nada disso, ele não tinha forças para abrir os olhos”, disse.
A pequena melhora se manteve até a quinta-feira (18), quando o bebê voltou a vomitar. Sem saber o que fazer, os pais marcaram uma consulta com um pediatra alergista em Vila Velha, na Grande Vitória, por achar que poderia ser alguma alergia a leite ou lactose.
Morte
Na sexta-feira (19), os pais levaram Enrico ao pediatra alergista.
“O médico perguntou sobre o caso e eu contei tudo, inclusive sobre a lagarta. O médico se assustou e disse que era para ele estar internado desde o primeiro dia que fomos no hospital. Disse que era um caso inédito, que ninguém nunca viu uma criança que come uma lagarta, então não é uma virose que se manda para casa”, lembrou a mãe.
A mãe destacou que, quando o pediatra foi examinar Enrico, ele disse para levar a criança para o Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), pois o bebê estava em estado catabólico (quando o corpo começa a retirar a energia da musculatura como alternativa de sobrevivência para o seu funcionamento normal).
“Ele estava com os lábios ficando roxos, o corpo mais gelado… Fomos para o hospital e entramos direto para a emergência. Todos viram que ele estava bem ruim. Eu vi os primeiros socorros, eu estava dentro da sala, ajudei a tirar os sapato, as meias… Meu filho não estava mais conseguindo respirar e iam ter que intubar. Aí me tiraram da sala”, disse a mãe.
Natalia contou que a médica que atendeu o bebê no hospital perguntou o que tinha acontecido. A mãe disse que explicou o que tinha acontecido e a médica respondeu que Enrico deveria ter ficado internado desde o primeiro dia pela complexidade do seu quadro. A mãe contou que na noite daquele dia os médicos informaram que Enrico não resistiu e morreu.
O que diz o Hospital Materno Infantil Francisco de Assis (Hifa)
Em nota, o Hospital Materno Infantil Francisco de Assis disse que a criança passou por três atendimentos na instituição.
A nota disse ainda que foram realizados todos os exames necessários, inclusive o de rastreio infeccioso e raio-x. E que foi feito contato com o Centro de Atendimento Toxicológico (Toxcen) e todo atendimento realizado conforme orientações do Toxcen.
“A última consulta aconteceu no dia 14 de agosto, foi feito um novo contato com o Toxcen e novamente adotadas condutas conforme as orientações. A criança permaneceu em bom estado geral, sem alterações nos exames e liberada com orientações. Após esta data, não houve retorno dos familiares ao Pronto Socorro do HIFA”, finaliza a nota.
O que diz a Secretaria de Saúde do Espírito Santo
Questionada sobre o caso, a Secretaria de Saúde do Espírito Santo (Sesa) informou, por meio de nota, que o paciente Enrico Gotardo Ferreira deu entrada na emergência do Himaba na última sexta-feira (19) com quadro gravíssimo.
“O bebê foi assistido pela equipe médica e todos os recursos utilizados para preservar sua vida, mas lamentavelmente o paciente foi a óbito menos de 40 minutos depois que deu entrada na unidade hospitalar”, disse a nota.
Em relação ao CIATox, a direção informou em nota que após a análise do caso foi constatado que a lagarta ingerida não se tratava de espécie do gênero peçonhento. A condução clínica do atendimento seguiu sendo realizada pelo serviço que estava prestando a assistência ao paciente.
O que diz a Polícia Civil
Questionada sobre o caso, a Polícia Civil informou por meio de nota que foi acionada no último sábado (20) para o recolhimento do corpo de Enrico no Serviço de Verificação de Óbito (SVO), em Vitória, devido a causa da morte ser suspeita.
O corpo do menino foi encaminhado para o Departamento Médico Legal (DML) da Capital para passar por exame de necropsia e liberado para os familiares no Departamento Especializado de Homicídio e Proteção à Pessoa (DEHPP).
Inicialmente, de acordo com a corporação, o caso vai ser investigado pela Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Guarapari, que aguarda os resultados dos exames.