Durante uma audiência realizada na Vara de Família de Vitória, o promotor Luiz Antônio de Souza Silva, do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), disse a uma mulher que requeria pensão alimentícia para “aquietar o facho” e permanecer ao lado de seu ex-companheiro.
A situação foi denunciada pelo Projeto de Pesquisa e Extensão Fordan, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que apoia mulheres em situação de vulnerabilidade, por crime institucional.
O caso ocorreu no dia 20 de maio e foi capturado em uma gravação de áudio. Em partes dele, é possível escutar o promotor dizendo que ela deveria a voltar com ele, por ter cinco filhos.
Em conversa com o Folha Vitória, a coordenadora do Fordan, Rosely Silva Pires, explicou que a vítima é acolhida desde o ano de 2014 pelo projeto.
Ela narra que a mulher, uma esteticista, morou com o ex-companheiro, que é um eletricista, por quase 20 anos e era agredida constantemente. “Ela tem sete filhos, sendo cinco com esse ex-companheiro”.
A vítima procurou o órgão, logo após a audiência, para contar o que havia acontecido.
“Ela narrou que, durante a audiência, o promotor perguntou quantos filhos a mulher possuía e afirmou para ‘aquietar o facho’”.
Diante das frases proferidas pelo promotor, a mulher se sentiu “extremamente humilhada”. “Eu morei 20 anos com meu marido, o que passei foi ser humilhada, violentada, sofri abuso psicológico”.
Mulheres têm direitos assegurados na lei
Ainda segundo Rosely, é necessário ressaltar que, sobre a fala do promotor que faz referência à quantidade de filhos da vítima, a mulher possui direito garantido na lei de realizar o próprio planejamento familiar.
“A Constituição Brasileira, do ano de 1988, trata sobre o controle e planejamento familiar, sendo esse, um direito esclusivo da família. A mulher não pode sofrer essa violência”, disse.
Para ela, a esteticista também sofreu violência psicológica, conforme está tipificada na Lei 14.188 do ano de 2021. “Isso foi um caso muito sério vivenciado, onde ela além de ser humilhada, violentada, também sofreu abuso psicológico”.
A mulher sofreu o que pode ser tipificado como violência institucional, promulgada na Lei 14.321/2022. Ela acontece quando o abuso sofrido pela vítima ocorre em um local onde ela deveria se sentir protegida.
“Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade”, destaca a lei.
O que diz o promotor?
Por meio de uma nota, o promotor de justiça disse que tomou ciência dos “fatos relatados em decorrência de suposta gravação feita em audiência de que participei no exercício de minha atribuição institucional, não posso me manifestar especificamente quanto aos mesmos, publicamente”.
Além disso, ele destacou que “não exclusivamente por ainda não ter conhecimento do inteiro teor do que consta a respeito nas instâncias aventadas como provocadas no referido periódico, mas, também, em razão de se tratar de ato processual pertinente a ação de família, que, como tal, é revestida do chamado segredo de justiça”.
E também ressaltou que a atuação possa ter gerado algum “desconforto, certamente advindo de algum ruído de comunicação”.
“No momento, o que posso transmitir, é que, ainda mais enquanto membro do Ministério Público, me aflige bastante a ciência de que a minha atuação possa ter gerado eventual desconforto, certamente advindo de algum ruído de comunicação, que poderia ter esclarecido a respeito, instantaneamente, mesmo porque, seguramente, o possível faria para isso, já que não condiz com a forma como busco desempenhar minhas atribuições institucionais”.
A reportagem também entrou em contato com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM). A matéria será atualizada assim que houver manifestação.
O que diz o MPES?
Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) informou que tomou conhecimento dos fatos apenas por meio de notícias jornalísticas, e que não teve acesso oficial à íntegra do áudio mencionado.
Além disso, o MPES afirmou não ter sido notificado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
“O MPES ressalta que as audiências realizadas em Varas da Família correm em segredo de justiça, o que impossibilita o órgão de passar qualquer informação a respeito dos assuntos tratados ou situações ocorridas durante as audiências”, informou o MPES por nota.
O promotor também se pronunciou por meio de nota. Ele também afirma ter tomado conhecimento dos fatos por meio de matérias jornalísticas e que, no momento, não pode se manifestar sobre o caso.
Silva também afirmou lamentar ter causado eventual desconforto à mulher, por algo que definiu como “ruído de comunicação”.
“No momento, o que posso transmitir, é que, ainda mais enquanto membro do Ministério Público, me aflige bastante a ciência de que a minha atuação possa ter gerado eventual desconforto, certamente advindo de algum ruído de comunicação, que poderia ter esclarecido a respeito, instantaneamente, mesmo porque, seguramente, o possível faria para isso, já que não condiz com a forma como busco desempenhar minhas atribuições institucionais”, afirmou.